terça-feira, 26 de março de 2013

Tatuagens

Não possuía tatuagens no corpo. Mas sua mulher era toda desenhada. Sempre desejara uma mulher assim. Isso dava a ele uma sensação de liberdade, de estar com uma mulher que fosse ao mesmo tempo impossível, livre, e essa liberdade dela é o que refletia nele. E ele de certa forma roubava isso dela. Quando saíam se vangloriava em exibi-la e sentia-se como um ser másculo, um cowboy de seus livros de cabeceira. E todos olhavam para ela e seus desenhos gravados na tela do corpo, e isso ardia tanto seu ego e ciúme, que enlevava seu ser quase que de forma orgástica.

Os anos foram passando, e a paixão que sentiam foi diminuindo. E um belo dia durante uma discussão ele falou poucas e boas para ela. E assim foram dormir, ele na sala e ela no quarto (como é o costume social nesses casos). Dormiu fundo, e sonhou muito, e eram sonhos pesados, quase pesadelos. No dia seguinte acordou mais cedo que ela e foi tomar um banho. Ao tirar a camisa quedou-se estarrecido, pois havia uma tatuagem no seu peito, e essa tatuagem era nada mais que uma inscrição: "otário".

Não tirou mais a camisa. E é óbvio que a briga passou, e ela estranhou seu comportamento na cama. Porém, nada o fazia tirar a camisa. Ela riu, e ele ainda lembrou de suas risadas ao constatar, no outro dia pela manha, que as palmas de suas mãos se encontravam completamente tatuadas com "hahaha's".

No trabalho foi alvo de galhofas. Foi chamado de pão-duro, unha-de-fome, punheteiro e aí vai... Conseguiu que ninguém visse as tatuagens nas mãos. Ao chegar em casa viu sua mulher de relance, trocando de roupa frente ao grande espelho, e um arrepio subiu-lha às juntas, pois que umas duas tatuagens haviam sumido de suas costinhas. Logo a do palhacinho, que ele gostava tanto de ver, e a de um cowboy - feita antes de se casarem, e à qual ele sentia um imenso ciume, pois era nada mais, nada menos que a  figura de um ex namorado.

Passou a noite esfregando um creme nas mãos na esperança de que as risadinhas saíssem - nada feito! Difícil mesmo foi fazer amor com sua mulher, sem poder abrir as mãos - missão quase impossível - o que suscitou uma série de reclamações, que acabaram em comparações que o desagradaram. Minutos depois, ao se levantar para o banheiro, pode notar que no corpo alvo de sua mulher faltavam mais umas três tatuagens.

Amedrontado, olhou bem no espelho e encontrou a tatuagem de um olho no dorso. Caiu sua cara na pia. E meio que desfalecido tentou imaginar que aquilo só podia ser um pesadelo. Foi ao médico tentar um remédio, um diagnóstico, qualquer coisa... e foi aí que percebeu que no ante-braço do médico havia uma tatuagem com o nome de sua mulher. Levantou! E enlouquecido correu para fora do consultório direto à sua casa. Ao chegar, sua mulher se encontrava deitada, e em sua semi-nudez pode ver que a tatuagem que ela guardava com tanto carinho na virilha havia desaparecido. Esta era a tatuagem de um coraçãozinho envolto em uma espécie de "roupa" de seda. E na sua lembrança foi aí que se deu conta do que poderia ser aquilo.

Voltou correndo ao consultório médico e exigiu uma resposta para a analogia entre as duas tatuagens. O médico obviamente disse que aquilo devia ser uma coincidência e o mandou para casa se acalmar. Foi. Ao entrar no carro percebeu, pelo espelho retrovisor, que havia aparecido uma boca e um nariz de palhaço em sua cara. Quase bateu no poste.

Não foi para casa naquele dia. Não podia aparecer para ninguém. Dormiu num hotel de quinta no largo da Lapa. Foi chutado e apedrejado na rua por um bando de homofóbicos que o tomaram por uma alegoria de carnaval gay.

Os dias foram se passando e cada vez aparecia uma tatuagem nova em seu corpo branco e imaculado. Não sabia mais a quem recorrer. Sua mulher havia ligado insistentemente para seu celular sem resposta, até que por fim desistiu. Então ele pensou. E resolveu voltar para casa e confiar seu problema à única pessoa que confiava.

Quando chegou em casa, seu corpo suava em bicas devido ao alto grau de ansiedade e medo e vergonha. Parou diante da porta e antes de tocar a campainha tirou a camiseta num impulso contido louco de calor. Foi aí que viu que o desenho de um laço subia, como de fininho, pelo alto da calça e da cueca, consequentemente. Com terror foi abaixando a calça vagarosamente, e pode então enxergar  a tatuagem  do cowboy descendo pelo seu pau até  a cabeça, onde demonstrava um sorriso matinal de propaganda de café com manteiga.

Mal se segurou na parede, tentou enfiar a chave umas três vezes sem sucesso, cambaleou para dentro da casa, e muito afoito correu em direção ao quarto. E ao chegar lá, viu sua mulher deitada na cama, plácida e generosa, e notou que em seu corpo não havia mais tatuagens.





segunda-feira, 25 de março de 2013

Para o meu Violão

Um dia eu não vou estar mais aqui. Mas você há de viver sem mim. Você que foi cortado, lixado, envernizado e colado quinze anos depois do meu surgimento, neste mundo, há de resistir infinitamente melhor. Cada vez melhor, seu verniz vai fundi-lo naquilo que já soa tão bem. E em algum lugar eu espero ouvir-te grave, quem sabe soando alguma coisa antiquíssima minha.

 Sabe-se lá que mãos hão de pinçar-te as cordas. Serão mãos gentís, febrís, ansiosas, audazes, ousadas, bem educadas, negras, brancas, de alguma raça humana? Poderá um gatinho ronronar ao seu lado, e beliscar seu corpo e te infligir, sem querer, dor, marcas...? Será vendido numa praça qualquer? Será destruído como um desmonte? O venderão a países remotos aqueles bastardos filhos-de-uma-égua!?

Quando te toco, é sublime a minha alma. Quando é objeto de composição, são suas as minhas lágrimas. São minhas as suas dores também. Pois, embora riam de mim, sei que tem vida, e que não é rasa.... é profunda e pode almejar salvar o mundo. 

Quantas noites passamos juntos alcoolizados, e você segurou minha onda como o único amigo! Você sim, é e será sempre meu grande amigo nas impoderáveis noites de solidão. Por você eu lutei quando forças maiores me desafiaram, me instigaram a largar tudo e virar um economista qualquer. Por você meus desejos sempre foram de rubi, e minha alma de algodão brilhou como diamante em palcos vazios. Mas tivemos também grandes momentos. Na verdade pouco subiu em palco, tão grande o meu medo de que saísse na rua sozinho e se perdesse nas mãos de algum malandro ladrão. Cultivei sua madeira sobre luz azul, lembra? E o uísque te fazia virtuose, e era como uma viagem no safari no deserto da Califórnia. 




E é por isso que quando penso na morte penso em você. Meu amigo "mudo". A cada música tocada, composta, refletida, desistida, etc. penso no dia em que vai sobrar sozinho em algum vão desse mundo atroz. Peço a Deus que caia nas mãos de uma criança linda, que te dê o devido valor, e que seja uma criança assim como eu fui, com medo de pular na cama elástica dos bombeiros em passeio de escola. Pois que é inútil quebrar ossos por uma escola qualquer. E só alguém que possui medo vai possuir a coragem de te enfrentar, de te possuir, e entender ser ensinado pelo coral de vozes formado pelas "casas" de seu braço.

Mas, infelizmente, como  tudo o é  nesta injusta vida, doo você ao futuro. Ao que vier, e espero que venha bem, e que encontre alguém que o trate como eu tratei. Com o amor de um músico de verdade. Fui seu cavaleiro e foi o meu cavalo. E espero, e rezo todo dia para Deus, que se houver vida após a morte, que ela seja de música, e que galopemos pelas estepes já conhecidas por nós, e pelas que hão de vir. 

Meu ciúme é grande! Não posso morrer e te deixar a qualquer um.







domingo, 24 de março de 2013

Poesiazinha


entrando pelo cano
foi que eu descobri
antigamente eu te amo




sexta-feira, 22 de março de 2013

Costas

Porque será que a linha do mar é chamada de "costa"? Será que é porque os portugueses quando partiram vendo sua terra para trás a nomearam de acordo? Ou será que desprezaram terras além ao deixá-las cada vez mais longe da saudade de suas próprias?

Porque será que uma praia é vista como a parte de trás de alguma coisa? Porque não a parte da frente? Não seria mais normal, já que é esta a parte que recebe o visitante? E que também se despede de frente, não é?

Talvez para esses o oceano fosse realmente sua casa. Pois que a certeza da volta era quase que nula. E o mar... ah, o mar! É como o espaço. Indefinido, incompreendido, desconhecido. Alvo de metas e poemas, um desafio da física e da nossa história espacial. Afinal a Terra é bem menos que o Mar, que ocupa grande parte, e que se deixarmos tudo há de ocupar.

Mas também, que afronta foi essa desses homens burros ao considerar o que tinham de palpável de "costas". Parte traseira que não se olha muito, apenas de deixa. Como se deixa uma velha mãe que não serve mais para nada... Deixa-se e nem se olha para trás. 

Se o mar fosse realmente lágrimas de Portugal, o que seria a Terra?

Às vezes minhas costas doem quando eu durmo muito e acordo tonto. Minha cama é dura como a Terra. Nossas costas sempre melhoram quando imersas no mar. O empuxo nos liberta de nosso próprio pesar, não é isso mesmo? Sou péssimo em física, mas se fosse o primeiro marinheiro a avançar em terras de além-mar eu dificilmente as chamaria de "costa". Porque não "linha fronteira"?

O mar sempre me libertou. Uma cidade sem mar é como uma prisão. Há uma redenção em simplesmente encontrar o fim de alguma coisa. É o lugar para onde a vista de esvai. 

Há areia no seu olhar, porque seu olhar é linha fronteira do que virá. Seus cílios devem ser guarda-sóis, e sua pele areia. A neblina, que existe quando olha, com certeza é feita de maresia, e a retina, ah....a retina! por onde navios chegam trazidos por nuvens.  Acredito que alguém venda Mate Leão em sua brancura, porém acho que você gosta mais do velho Dragão Chinês. 

Mas o mais importante, o que mais cativa, são as brumas. Dizem que elas vêm do mar. Mentira. Brumas sempre vão, e só vão quando há maré. Nelas eu monto minha jangada, e me arrebento em suas costas. 



quarta-feira, 20 de março de 2013

Conto Feminista

A madrugada é imensa.. Por isso tudo se perde nela. E eu que ia escrever uma bela história... perdi! Me esqueci completamente dela por minutos, que na verdade percorreram meu dia todo, mas se juntarmos-os foram apenas minutos, sequer dez. 

Finalmente lembrei da história e vou escrevê-la com péssimas palavras e rápido texto. Me foi contada por um carneirinho na multidão. Sabe-se lá em que país ele está agora, já que é um cometa solto nas madrugadas da vida. 

A história diz que em Londres, século XVII, quando mal havia água potável para beber além da chuva rala, e do Thames já sujo, mulheres sumiam sem rastros físicos nas madrugadas dos vãos da sinistra e apertada cidade. As vielas escondiam os crimes, e os paralelepípedos as histórias. Postes de óleo de baleia eram testemunhas pobres dos horrendos casos que precederam até os do grande Jack. 

Pois sumiam mulheres a cada noite. E foi assim por meses e meses. A única evidência encontrada, além do sangue,  era um novelo de lã a cada crime. E a polícia obviamente teve a certeza de que o psicopata deixava sua marca de escárnio irônico através desses novelos. E sendo assim foi batizado de "Unhas de Gato".

Como a polícia não conseguia seguir seus rastros foi decretado estado de alerta em toda a área central de Westminster (onde os crimes eram mais frequentes), e foi designado uma pessoa, que sigilosamente investigaria os crimes de uma forma mais empírica do que teórica. Foi designado a andar pela noite. A vagar como um morcego, vestido de preto, atrás de fatos e evidências que pudessem surgir pelos becos sujos do século XVII.

A questão mais complexa era que o serial killer em questão não abordava (e matava) apenas mulheres. Fez-se confirmar que ele matava qualquer coisa que aparecesse no caminho. Até cachorrinhos não eram poupados. E sempre um novelo de lã era deixado ao lado do corpo.

Os jornais exibiam manchetes históricas, e em caixa altíssima, que apavoravam as pessoas e geravam um tremendo lucro. Londres viviam entre a ganância e o medo. Jornalistas morriam de medo, e até policiais mal  se atreviam nas ruelas pobres da pacata madrugada coberta de fog.

Desenhistas de plantão tentavam imaginar o "monstro", e desenhavam caras horrendas de homens bigodudos e feios - carrancas de maldade do refece. Surgiram até peças de teatro encenando os horrores passados pelas prostitutas e mulheres de bem "escolhidas" ao léu pelo vil homem.

E, naturalmente, qualquer homem era um possível carrasco, diante de tamanho medo e concentração. Mulheres desconfiavam até de seus amantes. Houve um período de caos na cidade, onde a figura masculina passou a ser olhada com desconfiança por todos.

Uma noite, o jovem encarregado de perambular pelos buracos da cidade em busca de informações deu de cara com uma cena suspeita. Uma mulher encostada num muro, que ficava numa rua escura bem embaixo de uma pequena passagem construída com tijolos já pretos pelo tempo (o que tornava tudo mais escuro ainda), parecia estar sendo abordada por um homem vestido numa capa cor de vinho e uma cartola escocesa. Ela olhava para baixo com nítida aflição.

No que viu a situação as pernas do encarregado gelaram e tremeram, pois que com certeza estava presenciando um dos crimes preste a acontecer. E juntando sua coragem em pedaços correu em direção ao criminoso empunhando um punhal (sua única arma), mas tal reação infeliz o fez fugir por um dos inúmeros labirintos de Waterloo. 

De qualquer forma respirou aliviado, pois que havia salvado a moça, que se encontrava cabisbaixa, como que morta de medo, e encostada no gélido muro de brownstone que lá havia. Olhou para ela, tocou sua mão e disse: - Calma, agora você está a salvo.

E foi nesse momento que percebeu que seu olhar era de gato, e olhando para baixo sentiu que por sua própria roupa escorria o líquido o qual chamamos de sangue. E que  na mão em que tocava havia a quentura de um novelo de lã.





terça-feira, 19 de março de 2013

Filmes

Alguns filmes nos contam mentiras
para que esqueçamos nossas verdades.
Outros contam verdades
para que esqueçamos nossas mentiras.
Alguns são a realidade, e outros são
o que queríamos que nos acontecesse.
Outros nos mostram
que nada acontece nos filmes.
Outros mostram
que nada acontece na vida, por isso filmes.
Às vezes tudo pode acontecer num filme,
por isso a vida.





sábado, 16 de março de 2013

Turbilhão

Eu sou uma tecla de piano. Eu torço para que, durante o imenso conserto da existência, as mãos da vida me  teclem pelo menos uma vez a cada compasso. Mas... sabendo que isso não é possível, eu espero que pelo menos me percutam algumas vezes durante a música. Se puder ser no adágio, melhor. Adoro adágios.

Eu sou uma pedra no meio do caminho. Na verdade...(ai que vergonha) na lateral de um parque. Quase saindo da grama mesmo, tocando o barro. Uma pedra sem valor. A única graça é me sentir bem quando alguém tropeça em mim. Mas isso é raro devido à minha localização tão periférica. Mesmo assim uns padres desavisados de vez em quando vão de cara ao chão por minha causa. Demora para aparecer alguém, mas quando aparece eu me aprumo! Dou logo uma banda de ladinho. O tombo é quase certo. Isso porque eu sou pequeno, imagine se fosse um paralelepípedo pontudo? Aí eu me fazia!

Comecei como uma tecla bem aguda, lá no cantinho do piano...era um Ré. Nunca era tocado. Minhas chances de evoluir mais ao centro do piano, região nobre, eram poucas. Minha alma parecia estagnada naquele som que mal durava uns três segundos. Já não cultivava esperanças...quando de repente um negro sentou naquele piano de armário e tocou um Blues! E eu lá sabia o que era um blues? Ninguém sabia o que era um Blues! Só os cristais de algodão, só as fagulhas da noite, o cheiro do fumo mal fumado, e as encruzilhadas. Mesmo assim, ninguém havia tirado um Blues no piano ainda. No violão de aço, velho e pobre, sim. No piano não. E aí veio aquele negro e ficou uns dez minutos fazendo uns solos percutidos no canto onde eu estava. Você tinha que ver! Os brancos nem acreditavam que ele conseguia tocar sem ler. Tocar sem ler? Era quase uma afronta para a época! Era revolucionário. Algo como andar sem rumo certo, sem certeza, abraçando o risco, podendo errar, e daí inventar, improvisar, solar! Era como se atirar de uma falésia. E assim fui sendo mais solicitado e acabei no centro do piano. Minha alma evoluiu por obra do acaso. Se aquele negro não tivesse decidido tocar qualquer coisa naquele piano velho da plantation home, eu ainda seria um marfinzinho de nada na periferia do móvel.

Um dia um menino passou por mim e resolveu me chutar. Porra! Eu que chutava, né? Agora vem um carinha e me chuta! Fiquei puto... Mas aí eu vi que ele me chutou com intenção, não foi à toa. E eu me deixei rolar, e fui rolando e aí apareceu outro pé, e quando eu percebi tava no ar, indo de pé em pé, como num parque de diversões. Eu passei a ser diversão, entretenimento. Inventaram um jogo de mim. Fiquei famoso por acaso. Como é a vida hein? Não sou mais pedra, agora sou ar, vento revestido de uma couraça, de uma pele forte. Não vivo mais parado na periferia, ao contrário, me botam sempre no meio do jardim. Como são  erradas as oportunidades, hein? 

Eu sou forte. Ninguém me atinge. Me transformo no que eu quiser. Eu fiz um pacto com Deus de nunca fazer pactos. Eu sou claustrofóbico, amigo. E não tenho sangue de barata. Minha mão é de pedra, e minha voz é de música. Sou o som infinito de uma ária. Eu te prendo em minha teia e sugo o seu olhar. Minha poesia é forte. Minhas palavras são de verão. Sai fogo do meu nariz, mundos dos meus dedos. O meu violão é um furacão.

O turbilhão 
O turbilhão deu
O turbilhão deu a mão
O turbilhão deu a mão e anotou
O turbilhão deu a mão e anotou seu telefone
O turbilhão deu a mão e anotou seu telefone e desenhou
O turbilhão deu a mão e anotou seu telefone e desenhou uma escada
O turbilhão deu a mão e anotou seu telefone e desenhou uma escada levando
O turbilhão deu a mão e anotou seu telefone e desenhou uma escada levando ao turbilhão.

Entendeu a brincadeira? Vai subindo as frases... legal né?

Eu era uma letra. Não servia para nada. Um dia uma criança me pegou e me ajuntou com outra letra. E depois que acabou, me ajuntou com outra. E depois que essa criança compreendeu tudo, me ajuntou com nada. Me repartiu todo e me devolveu a ser uma letra solitária. E aí eu vi que havia ocorrido uma mudança em mim. Eu me transformei numa palavra. A palavra mais simples que há - um artigo. A criança então levantou e foi brincar com suas peças de montar. Sem saber que havia me gerado. Pois que hoje eu sou poesia. E assim começou o turbilhão do mundo.



sexta-feira, 15 de março de 2013

Sopa de Pedras

"Pedras no caminho?
Guardo todas!
Um dia vou vendê-las."

                    Nando das Couves




quinta-feira, 14 de março de 2013

Cachos Dourados

Do alto, avistei! a floresta vazia
Ia-se chegando por fim
E a mim enquanto eu caía

O todo verde monocromático
Estático, na verdade cada vez
Mais próximo de mim, monossilábico

Parede de chão, bacia amazônica
Atônita refulgia a mata e ventava,
À minha queda livre, seus  braços de amônia

Rodopiava nos meus olhos a mata
Matava meus olhos velozes e secos
Eu caía de tão longe, que nunca chegava...

Procurava o Sol, que já não estava ao meu lado
Chegado!, eu havia chegado centímetros ao chão!
Ai, Morte!!! Podeis imaginar-me salvo por cachos dourados?




domingo, 10 de março de 2013

Dor

As almas que doem
me doem a alma.


sexta-feira, 8 de março de 2013

Eva (Em homenagem ao dia da mulher.)




Eva é sol.
Eva é morena.
Eva é futebol.
Eva é henna.

Eva é alcatéia.
Eva é “água de beber”.
Eva não é Amélia.
Eva é Mulher.

Esbarrei em Eva numa esquina do Maracanã.
Trocamos nossos chicletes de maçã.
Demos milhões de voltas olímpicas sem parar.

Nossos tormentos se encontraram.
Nossos apartamentos se apaixonaram.
Nossos celulares vão se casar.





quinta-feira, 7 de março de 2013

O Homem Mais Forte Do Mundo (conto atemporal)

Na academia onde eu malho tem um homem que malha tanto, mas tanto, que acho que já nasceu malhando. Ele é muito forte, e sempre é o que carrega a maior quantidade de pesos. Todos os exercícios que faz são seguidos de gritos de esforço, como se puxasse de algum lugar a força bruta necessária.

Os outros homens o invejam, e a inveja é tanta que mal olham para ele - apenas de soslaio - e mesmo assim com cara de medo. Esses todos se enchem de bombas e  hormônios, enquanto o sujeito forte nada toma. Apesar da forma muito grande, ele é um sujeito culto, tranquilo, de bem com a vida, e de alimentação saudável. Eu sei disso porque ele é o único com quem converso na academia. Como não tenho muito tempo, entro mesmo para malhar e nunca faço amizades por lá.

Mas o mais estranho é que embora ele seja muito forte, seu corpo não é definido como o de outros menos fortes. Então um dia eu lhe perguntei:
- Porque mesmo você sendo o mais forte seus músculos não são bem definidos como os de outros menos fortes? Ele respondeu:
- Porque eu como muito.
- E porque você come tanto assim?
- Pra ter energia e massa pra poder ficar cada vez mais forte.
- Mas de que vale ficar cada vez mais forte sem poder ver os músculos?
Ele não respondeu.

Os anos se passaram. A academia mudou de bairro e enfim foi comprada por uma igreja evangélica que lá montou uma academia do dízimo. O sujeito forte foi envelhecendo, porém sempre malhando em alguma outra academia (frequentava várias ao mesmo tempo, por sinal). E sempre comendo e sempre crescendo cada vez mais, porém sem visualizar seus músculos definidos, apenas fortes. Muita força... muita massa...

O tempo passou mais ainda, e com 90 anos, muito, muito forte, o sujeito contraiu um câncer e de repente começou a emagrecer rapidamente. E com esse emagrecimento brotaram-lhe os músculos, as divisões antes cobertas pela pesada camada de gordura que o alimentava, agora era possível ver cada linha de seu corpo talhado por anos a fio de energia e esforço. Durante a doença revelou-se o corpo definido do homem mais forte e saudável do mundo. Houve então um forte sorriso de contentamento. Então, morreu.